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Carta de um empresário a seus filhos herdeiros

  • hoft45
  • 30 de jul. de 2024
  • 3 min de leitura

Por Renato Bernhoeft, fundador da höft consultoria

Queridos filhos,


Esta carta foi escrita para não ser enviada. Mas só tem sentido se dirigida a vocês. Lembro dos primeiros dias do meu casamento. A mãe de vocês e eu nos víamos com alguma calma apenas tarde da noite. Nossas conversas giravam em torno de três preocupações: as perspectivas dos negócios; a necessidade de economizar nas despesas domésticas; e o temor de termos o primeiro filho.


Desde aquele tempo tive na mãe de vocês uma companheira forte. Às vezes mais forte do que eu. Sendo bem sincero, tudo o que vocês são, devem à sua mãe. As virtudes e os defeitos.


Eu tinha uma única preocupação: a empresa. Mas eu fazia tudo isto por vocês. A família cresceu, a empresa se desenvolveu. Daquele velho galpão e máquinas obsoletas hoje ficou muito pouco, apenas algumas peças de museu e muitas lembranças. Tão envolvido com o negócio, nem vi direito como vocês cresceram. Lembro de algumas festinhas na escola e de alguma redação que traziam para casa. Lembro até que algumas vezes saí correndo de alguma reunião para dar o ar da minha graça e derramar algumas lágrimas de emoção.


Vocês cresciam, eu ficava orgulhoso e a mãe de vocês, preocupada. No fundo ela tinha medo de se sentir só, o que me assustava, pois talvez a gente já não sabia mais conviver a dois. Tínhamos colocado vocês como a única razão de nossa existência.


Hoje, porém, vocês dizem que faltei nas horas mais importantes. Afirmam que trabalhar comigo na empresa é impossível pelo meu estilo de comando, pelos métodos antiquados de trabalho e porque estou cercado de gente velha e obsoleta. Reconheço que cometi erros. E muitos. Encontro entre os velhos funcionários, clientes e fornecedores um respeito, admiração e até inveja que não tenho em minha casa. Recrimino-me por ter falhado em muitas coisas.


Para vossa mãe, vocês reservam comentários menos ácidos, mas nada lisonjeiros: dizem que ela representa um tipo de mulher que não existe mais nos dias atuais.


Mesmo assim, a querem como avó dos vossos filhos para deixá-los em casa quando vão ao cinema, boate ou alguma viagem com os amigos no final de semana.


Para o desinteresse de vocês pelos nossos negócios, ou até uma eventual disputa entre vocês, acho que podemos encontrar soluções. É possível dividir os negócios, já pensei até em vender ou colocar em prática algumas ideias sobre não ter executivos familiares.


Mas o que hoje está me preocupando mais seriamente são dois pontos. O primeiro é se a acusação que fazemos aos nossos pais, por tudo aquilo de imperfeito que temos, não tem um limite. A partir de um certo momento da vida, não é responsabilidade de cada um assumir, plenamente, o compromisso pelo seu destino, e deixar de apenas culpar os outros? Não está na hora de vocês se olharem no presente e assumirem o encargo de escrever, com sua própria caligrafia, o papel que terão no futuro?


A segunda preocupação é que tudo indica que o ciclo se repete. Vocês também correm o risco de serem acusados pelos seus filhos de tudo aquilo que nos acusaram. Ou seja, parece que ter sido vítima de uma série de erros dos seus pais não permitiu que essas mesmas imperfeições fossem corrigidas.


No fundo, tudo isso não me assusta: apenas me faz pensar profundamente sobre a importância da vida e de nossas realizações. É claro que estou numa idade em que as emoções são mais fortes e tento esconder as emoções, pois a imagem de homem forte que criei não me permite expressar os sentimentos de maneira tão autêntica. Parece fragilidade. Mas será que estou vivendo uma fase em que devo preocupar-me mais comigo do que com o que os outros pensam?


Filhos, esta carta foi um desabafo. Mas, como sempre fui um homem prático, quero encerrar com uma proposta. Que tal a gente sentar um final de semana destes e ter uma conversa franca sobre o que cada um anda pensando da sua vida?


Afetuosamente,

Vosso pai.

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