por Renato Bernhoeft
As empresas familiares representam um grupo relevante em praticamente todas as economias do mundo, com estudos sendo aprofundados. Um outro tipo de empresa, ainda pouco estudado, que tende a crescer cada vez mais, é a chamada sociedade multifamiliar. À medida que o fortalecimento da economia abre oportunidades para uma nova onda de empreendedorismo. Sua principal característica é que os sócios-fundadores da primeira geração não possuem vínculos de origem familiar. De forma geral, são empreendimentos que nascem e se estruturam com base numa distribuição de tarefas, complementação de talentos ou habilidades. Sua principal característica é a relação de confiança que os sócios constroem entre si, criando vínculos que podem ser mais fortes até do que os decorrentes do afeto familiar. Especialmente porque, nesse caso, houve a liberdade de escolha, o que lhes permite construir relações de muita cumplicidade.
Se aliarmos a construção deste relacionamento com o sucesso empresarial, é possível imaginar o desafio que representa comprometer as próximas gerações com esse modelo. Sob alguns aspectos, podemos afirmar que existe uma complexidade maior, ou características muito diferentes daquelas observadas na típica empresa familiar, considerada unifamiliar.
As histórias e valores de cada família não podem ser desconsiderados. Afinal, cada conjunto familiar constrói uma cultura muito própria. Isto não depende apenas dos sócios-fundadores, mas das figuras maternas, que são de grande influência sobre a formação dos filhos de cada casal. Por outro lado, pesam também as diferentes formas como cada família encara os demais sócios, suas (respectivas) famílias, a empresa e, muitas vezes, surgem percepções sobre o preço que tiveram que pagar na relação com a tripla figura do pai, sócio e empresário.
Nossa experiência indica alguns pontos que merecem cuidado e uma ação (ao mesmo tempo) preventiva e estratégica, simultaneamente:
Criar uma história comum
Quando uma empresa é constituída por vários sócios, existe uma grande probabilidade de que sua história tenha inúmeras versões. Cada agrupamento familiar tende a ter percepções diferentes sobre o papel de cada um na construção do empreendimento. É fundamental que este tema seja tratado de forma proativa, o que significa fazê-lo enquanto os fundadores estão presentes.
Construir um sistema de valores comum
As famílias devem estabelecer, de comum acordo, alguns princípios. Da mesma forma, a sociedade necessita dar corpo às suas crenças à medida que desenvolvem um vínculo patrimonial, mas com fortes componentes de ordem emocional que terão impacto sobre as decisões societárias. Finalmente, a empresa também necessita que suas relações com acionistas e mercado sejam pautadas por um conjunto de valores aceitos por todos que dela façam ou venham fazer parte.
Preparo e cultura societária
Cada nova geração – inclusive os que não trabalham na empresa – necessita desenvolver um modelo e protocolo societários. Mas, para tanto, é indispensável que se crie um processo de preparo dos herdeiros para seu papel de acionistas. Esses conteúdos são muito específicos, não sendo atendidos pelos programas de educação formal. Tornar-se sócio exige preparo. Quanto mais cedo acontecer esse processo, mais contributivo será na própria definição de carreira dos herdeiros.
Conhecimento da empresa
A visão que muitos herdeiros possuem do negócio lhes foi transmitida pelo pai com um “chapéu” também de empresário. Esta é insuficiente e deve ser complementada de forma mais didática e abrangente.
Lideranças e processo sucessório
A liderança na primeira geração foi legitima, independente, muitas vezes, do peso das participações societárias de cada um dos fundadores. Mas isso não assegura a sucessão. Este é um ponto delicado, já que as posições ocupadas não se transferem por genética ou herança. A sucessão precisa ser pensada em, pelo menos, três dimensões: cada uma das famílias envolvidas, a transmissão das participações societárias, e as demandas de uma gestão, que seja cada vez mais, pautada por padrões de mercado. Construir a continuidade exige preparo e muito esforço – além de compreensão – tanto da primeira, como da segunda geração. E não deveria ser adiada, pois tratar deste assunto, após a falta de um dos fundadores, será muito mais difícil.
Enfim, estes são os principais aspectos que deveriam ser considerados. Torna-se especialmente importante que cada componente da sociedade, atual e futura, compreenda esta dinâmica e seu papel. Conciliar o individual e o coletivo na sociedade multifamiliar é condição para perpetuar o negócio, a sociedade e as relações das famílias.
Comments