top of page

Luto e empresa familiar

Por Moises Groisman*

A questão da morte é um tema difícil e complexo para qualquer pessoa e, principalmente para a família na qual essa pessoa está inserida. Ninguém nasce para morrer e ninguém se preocupa se a família onde nasceu e cresceu vai acabar um dia.


Como afirmei em “Família é Deus” (Groisman, 2019), a família é um conjunto invisível, somente percebido em cerimônias festivas, referências (“aquela pessoa pertence à minha família”) ou na eventualidade do falecimento de algum familiar. A morte da família original vai repercutir nos filhos, de acordo com o seu grau de desenvolvimento emocional, idade e se formaram ou não a própria família.


O desequilíbrio que essa morte vai trazer aos remanescentes será proporcional à expectativa da possibilidade de ela ocorrer e dos preparativos que a antecederam. Observamos esse fenômeno em qualquer tipo de família.


Existe, no entanto, uma forma especial da família se organizar: a empresa familiar. Nela, a morte do fundador ou do sucessor vai ressoar em duas instituições simultaneamente: a empresa e a família, que estão indissoluvelmente ligadas, emocional e

economicamente.


Um dos fatores que vai interferir na reorganização da empresa familiar após a morte do fundador ou do familiar da geração seguinte, que se tornou o líder daquela empresa ao promover sua continuidade e expansão, é o mito da imortalidade, que levará à tentativa da perpetuação daquela empresa como sempre funcionou e existiu.


Isso acontece porque a empresa familiar recebe uma mensagem não verbal de seus integrantes: ela tem que se eternizar para manter a família unida em defesa do patrimônio. Enquanto isso, a empresa emite, em um mecanismo de retroalimentação aos seus membros, a mesma mensagem de união e perpetuação de seus princípios.


Esse movimento de vaivém pode impedir a renovação da própria empresa, de modo que qualquer movimento de contestação ou discordância de algum dos membros pode ser visto como ameaça a essa unidade e à vida eterna, tanto da empresa quanto da própria família. Na mesma linha da necessidade de perpetuação, a empresa familiar corre o risco de precisar sacrificar a individualidade de seus membros em prol de uma liderança férrea que garanta a unidade familiar empresarial.


A existência do mito da família eterna (ou da empresa familiar eterna) vai depender do grau de flexibilidade desse sistema familiar em admitir a mortalidade do seu líder e da própria empresa. Também depende de que o sistema familiar admita que poderá se transformar, tendo uma nova liderança com crescimento individual dos membros familiares.


Essa transformação depende de um processo de diferenciação ou individualização dos indivíduos em relação à sua família de origem, que pode ser penoso tanto para eles quanto para seus pais, e se estenderá por toda a vida. Havendo a empresa familiar, esse processo se tornará mais complexo, já que o indivíduo precisará se individualizar de duas organizações: a família e a empresa.


Nesse processo de individualização emocional e econômica da família para alcançar sua própria voz, será preciso atravessar concomitantemente os solos familiar e empresarial. Se não houver uma individualização suficiente dos filhos em relação à família, eles ficarão dependentes dos pais; o mesmo ocorrendo em relação à empresa familiar, que precisará se eternizar ou prover recursos financeiros suficientes para manter indefinidamente as sucessivas gerações.


Para o surgimento de novas lideranças e a continuação da empresa, será necessário flexibilidade do sistema familiar, que permita uma liderança mais horizontal. Os membros da empresa estarão sujeitos aos mesmos mecanismos e forças que governam qualquer tipo de família, e que transportarão para o funcionamento empresarial.


Dessa forma, cada membro familiar receberá, ao nascer, uma determinada missão, estruturará sua matriz de acordo com as experiências familiares (Groisman e colab., 2013; Groisman, 2019), será influenciado pela transmissão geracional e se enredará nas triangulações familiares (Bowen, 1978), com alianças e exclusões, vindo a constituir uma cruz familiar individual (Groisman, 2020). Daí vão surgir os conflitos e disputas que podem comprometer o desempenho da empresa.


* adaptado, com autorização do autor, do livro “Terapia Familiar do Luto - da morte à vida”


artigo publicado na Revista Gerações 2024 | https://www.hoft.com/revistas

Yorumlar


bottom of page