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Maturidade começa em casa

Criar filhos excessivamente dependentes impacta as várias dimensões da família empresária. Como mudar essa situação?

A evolução de cada família empresária é diferente, pois cada pessoa é única. Ainda

assim, existem temas que nem sempre contribuem para a evolução dos integrantes da família. Quando a nova geração, em idade adulta, permanece vivendo com dependência excessiva dos pais ou avós, por exemplo, cria-se um modelo que dificulta o crescimento e pode gerar sequelas que impactam o desenvolvimento da família, patrimônio e empresa.


Para a terapeuta Rosana Galina, esse é um assunto muito relevante na sociedade. “Não me parece que seja algo exclusivo das famílias empresárias, e se agrava no momento em que vivemos”, comenta. Para ela, ao mesmo tempo em que os mais novos são imediatistas e desconhecem boa parte dos desafios da vida adulta, os pais tendem a proteger os filhos para que eles não passem por experiências negativas. “No caso das famílias empresárias ainda há um fator adicional: os jovens nascem herdeiros e durante seu crescimento nem sempre percebem que é possível alinhar sua própria expectativa à da família. Dessa forma, parece que tudo na vida está resolvido, o que torna mais difícil lidar com as inevitáveis frustrações da vida”, teoriza.


Em sua avaliação, a expectativa de ser o sucessor do patrimônio não costuma levar os jovens a questionar e lutar pelo que querem. Eles se tornam mais passivos e, com isso, terão dificuldade em tomar decisões difíceis quando forem exigidos. “É preciso plantar nos mais jovens a vontade de planejar e realizar seus próprios sonhos. Sem isso, a maturidade demora muito mais para acontecer”, comenta. Assim, em famílias em que já existe um modelo pré-concebido do que os filhos serão no futuro, o amadurecimento fica mais difícil. “Quando alguém tem definido o que será da vida sem entender o motivo, ou porque é o caminho já prescrito, se torna muito complicado encontrar sua própria voz”, comenta.


Outro fator que dificulta encontrar uma voz própria é a concorrência com os irmãos. Nesse caso, muitas vezes a política do “quem fala mais alto ganha” é bastante prejudicial. “É preciso dar voz para todos os filhos, não só para quem é mais falador”, afirma a terapeuta Ana Maria Escobar. “Nesse sentido, a escuta ativa é essencial para reconhecer a individualidade de cada pessoa e criar um ambiente que molde as crianças de uma forma positiva para o futuro”, acrescenta.


VÍNCULOS PARA A LIDERANÇA

Em países de cultura latina, que tendem a postergar a independência dos filhos, a maturidade tende a acontecer mais tarde. E esse pode ser um grande problema quando há mais dinheiro envolvido. “Quando falamos de uma segunda geração, falamos de pessoas de 30, 35 anos, que foram poupadas dos problemas da vida e conviveram com um ambiente de gratificação imediata. De modo geral, são pessoas que não estão acostumadas a desafios. Essa não é uma boa receita para a formação de um líder”, analisa a terapeuta Rosely Gomes.


Estimulando a autonomia desde sempre, cria-se um adulto que saberá resolver suas frustrações e perdas. “Nas frustrações, os pais precisam estar presentes para ensinar os filhos a lidar com os problemas. Da mesma forma, na vida adulta a geração mais velha será a conselheira dos mais novos quando estes assumirem a gestão dos negócios”, recomenda Rosely. “Isso começa com a criação de vínculos na família, com muito diálogo e sem imposições de valores. A casa é uma preparação para a vida”, afirma a terapeuta.


Esse processo começa na infância e continua ao longo de toda a vida - e deve sempre ser acompanhado por uma postura condizente com a idade de pais e filhos. “Não é raro vermos pessoas de 40 anos que, diante dos pais, se comportam como adolescentes. E também pais que, em reuniões de trabalho, falam com seus filhos executivos como se estivessem lidando com crianças”, explica Wagner Teixeira, sócio da hoft.


Essa é uma via de mão dupla: se os filhos foram poupados dos problemas, alguém os poupou. “Os pais precisam ter uma vida interessante para que eles sejam preenchidos por seus interesses sem os filhos. Quem tem um bom trabalho, amigos e um bom relacionamento com a esposa convive melhor com a ausência dos filhos, mesmo que a saudade venha”, diz.


Para ela, o normal é que os filhos se afastem dos pais ao longo do tempo, para morar sozinhos, estudar fora, casar, constituir uma família e uma vida independente. “Muitos pais, porém, agem como se isso fosse inesperado e querem manter os filhos sob suas asas. Da mesma forma, isolam os filhos de frustrações, protegendo demais e deixando-os despreparados para voar”, afirma Rosely. Não é possível manter os filhos em uma redoma: é preciso liberá-los para viver de forma independente. “É preciso andar sem motorista, tomar um ônibus, ir para a escola sozinho, saber como ir para os lugares preferidos. São pequenas medidas que vão dando força para que a criança se torne um jovem, e depois um adulto, mais seguro de si”, explica.


Estimulando a autonomia desde a infância, cria-se uma pessoa que sabe resolver suas frustrações e perdas. “A vida é feita de frustrações e os pais precisam estar presentes para ensinar os filhos a lidar com os problemas. É preciso estar atento ao dia a dia dos filhos”, recomenda Rosely. Isso significa que os pais precisam tomar decisões importantes, como evitar trabalhar demais, sair do celular quando estiverem em casa – tudo para que tenham mais tempo com os filhos. “Criar vínculos com os filhos, com muito diálogo e sem imposições de valores, faz toda a diferença na educação e na preparação para a vida”, afirma a terapeuta.


INDIVIDUALIDADE E SEGURANÇA

Para Ana Maria Escobar, estimular a individualidade é fundamental. “Cada pessoa é diferente e nem todas atenderão a qualquer padrão que seja imposto”, afirma. É preciso dar espaço para que cada um exerça sua individualidade com liberdade, permitindo que sua personalidade a direcione – e não o que a sociedade impõe”.


Tudo isso está no centro de uma família empresária. “Antes do negócio, existe uma família que vai se construindo emocionalmente dentro de um núcleo familiar, onde as pessoas aprendem sobre medo, coragem, raiva, amor, justiça e injustiças. E isso se constrói a

cada dia”, acredita.


Na visão da terapeuta Ivania Pimentel, a interação familiar cria limites que orientam a vida em sociedade. “Pais que evitam conflitos, criam filhos que não crescem e não assumem responsabilidades. Por isso, é essencial que os pais resolvam suas próprias inseguranças, para que não criem filhos imaturos que se tornarão adultos incompletos”, afirma.


Dessa maneira, para criar adultos funcionais, que possam assumir responsabilidades familiares, societárias e executivas, é necessário evitar que os filhos se mantenham dependentes dos pais na fase adulta. Esse processo começa com a mudança dos pais, incentivando os filhos à liberdade, busca pelo conhecimento e desenvolvimento da maturidade, para que encontrem seu caminho, identificando e realizando seus sonhos, segundo a personalidade de cada pessoa.


“Os filhos são afetados pela forma como a família dá lugares e espaços a eles ao longo do tempo. Naqueles casos em que os pais não dão autonomia suficiente, os filhos têm mais medo de ousar, de enfrentar o mundo”, teoriza Ana Maria Escobar. Isso também se aplica à esfera corporativa. “Ter um futuro garantido na empresa porque se é o filho do dono é uma versão mais adulta de manter o filho em um lugar protegido.


Nenhum problema em fazer parte da gestão do negócio, desde que essa posição seja validada pela capacidade profissional, e não pela herança familiar”, recomenda.


Para a especialista, a solução para esse dilema também está na vida em família. “Desde cedo, é preciso trabalhar com valores e com histórias geracionais, entendendo a importância do legado e resolvendo problemas do presente”, explica. Transmitir as histórias, entender quem são os antepassados e como eles construíram a família empresária é importante para trazer conhecimento. E isso vale para o que é positivo e para os conflitos. “Só é possível colocar problemas em panos limpos se eles forem conhecidos. Problemas escondidos se tornam mitos, que mantêm questões não resolvidas e impedem a evolução das pessoas”, completa.


matéria publicada na Revista Gerações 2024 | https://www.hoft.com/revistas

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