Jovens que levam mais tempo para amadurecer e pais que relutam em admitir o crescimento dos filhos retardam a capacidade do relacionamento adulto-adulto entre gerações
Os filhos estão mesmo demorando mais a amadurecer? Têm levado mais tempo para conquistar sua autonomia? A formação alongou-se, tornando-os economicamente dependentes por mais tempo? Especialistas respondem a todas essas perguntas com um uníssono e sonoro sim! E também são unânimes em dizer que os desafios de amadurecimento enfrentados pelas distintas gerações têm dificultado o estabelecimento de relações entre adultos tanto no ambiente familiar como no corporativo, levando a dificuldades de transferência de responsabilidades e confiança entre os membros das diferentes gerações das famílias.
As razões para o amadurecimento e independência tardios são inúmeras. Começa pelo que especialistas vem chamando de a “nova família”, fruto das muitas transformações pelas quais a organização familiar vem passando nos últimos anos. “Nos últimos anos surgiu uma série de novas organizações familiares, resultantes de fatores como divórcios e novos casamentos, casais homossexuais com filhos, entre muitas outras. As mudanças acontecem de forma vertiginosa, muitas vezes sem que haja tempo de metabolização das transformações”, analisa a psicóloga Nair Teresinha Gonçalves.
Mesmo em sua conformação tradicional, a família vem adotando novas características, como o maior tempo dedicado pelos pais a questões profissionais e a participação mais efetiva das mulheres no mercado de trabalho, trazendo a consequente (e muitas vezes falsa) necessidade de compensar a ausência no convívio dos filhos. “As múltiplas transformações globais e sociais das últimas décadas provocaram mudanças significativas na configuração dos modelos de família”, afirma a terapeuta familiar Ana Maria Escobar.
Para ela, a flexibilidade das fronteiras familiares deu mais força à voz das crianças e jovens. “Os pais, na tentativa de não cometerem os excessos do autoritarismo e de se apresentarem como amigos, por vezes abdicam de sua responsabilidade de formadores”, diz a especialista. “Atualmente, as relações familiares estão tão horizontalizadas em sua hierarquia, que seus membros, na ânsia de demonstrar amor, ficam com dificuldades de colocar limites”, completa, lembrando que a falta de limites é um dos fatores responsáveis pelo amadurecimento tardio.
A psicóloga Ivania Pimentel concorda. E acrescenta: “a flexibilização das fronteiras familiares, em princípio saudável pelas possibilidades de relações democráticas, afetivas e de diálogo, corre o risco de perda de autoridade”.
Na visão da também psicóloga Rosely Gomes, além dos motivos já mencionados, a preocupação com a segurança tem levado a uma proteção exagerada dos jovens, que também tem reflexos importantes na dificuldade das relações adultas no ambiente empresarial. “As crianças, adolescentes e jovens têm a seu serviço um batalhão de adultos - de babás a motoristas particulares -, e isso tem reduzido sua capacidade de desenvolver traquejo para as relações sociais e ao que diz respeito ao seu comportamento como cidadãos”, afirma Rosely.
“É verdade que o tempo de formação se alongou e que a dependência econômica é maior, mas, estamos vendo também um atraso no desenvolvimento de habilidades emocionais para enfrentar o mundo lá fora, seja ele corporativo ou não”, alerta Rosely. O resultado é que os jovens, quando chegam à idade adulta - e de entrada no mercado de trabalho -, levam essa dependência consigo. “A imaturidade se reflete no ambiente corporativo. Ela é reflexo do que acontece dentro das famílias”, diz.
A parte dos pais
E, como toda questão interpessoal, também aqui estamos falando de uma relação de mão dupla. Se de um lado temos jovens menos maduros - ou que levam mais tempo para alcançar a maturidade -, de outro temos pais que tendem ao que os especialistas chamam de infantilização dos filhos. “Pode haver uma tendência à infantilização dos filhos, como se isso, de alguma forma, retardasse o envelhecimento dos pais ou fizesse com que o tempo andasse menos rápido, com filhos demorando mais para se tornarem adultos”, explica Nair.
“Se a nova geração está tendo dificuldades em assumir a relação adulto-adulto, isso tem a ver com as duas gerações.” Ana Maria engrossa o coro ao dizer que essa dificuldade das novas gerações de se tornarem adultas pode ser reflexo de adultos com dificuldade de legitimá-las como já crescidas - e de enfrentarem o próprio envelhecimento.
Muitas vezes o que vemos são pais julgando seus filhos incapazes e imaturos, relutando em passar poder de decisão, autonomia e responsabilidades aos seus herdeiros, como se isso fosse um atestado de envelhecimento ou incapacidade. Talvez, de fato, estejam ainda em fase de amadurecimento tardio, mas esta é uma questão que pode - e deve - receber atenção desde cedo.
“É importante que desde sempre os pais proporcionem aos filhos situações em que possam fazer escolhas que sejam próprias ao seu nível de maturidade. Com isso estão possibilitando aos filhos o exercício de tomar decisões acertadas e se responsabilizarem por suas escolhas”, sugere Nair. “Os filhos, à medida que se sentem valorizados pelos pais, desenvolvem uma boa autoestima. Esse sentimento vai formando um núcleo de confiança básica em si e nas relações que estabelece com os demais”, completa.
Ivania alerta que a família precisa aproveitar as transformações para construir-se como lugar de aconchego. “O carinho da mão firme e cuidadora fertiliza o bom desenvolvimento de crianças e jovens”, assegura. E isso é particularmente importante nas famílias empresárias que, por conta dos negócios, enfrentam o desafio da convivência entre gerações adultas por décadas.
Além de ter em mente que o fato de transferir poder não implica necessariamente em aposentadoria ou incapacidade - e sim inteligência empresarial, preparo para a longevidade do negócio e proteção ao patrimônio -, os pais precisam entender a necessidade de preparar seus filhos para o futuro, para o mercado e para o trabalho, seja ele na empresa da família ou não. Só assim se poderá exigir dos jovens um grau de profissionalismo para o qual foram preparados. “Esperar do jovem maturidade emocional, autonomia e independência sem que ele tenha passado por treino suficiente é meio caminho andado para os conflitos entre gerações”, finaliza Rosely.
matéria publicada na revista Gerações 2015 - https://www.hoft.com/revistas
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